As refeições no Paço de São Cristóvão, hoje Palácio da Quinta da Boa Vista, a partir da chegada da Família Real portuguesa, em 1808, eram um espetáculo de exibição de prestígio e poder para os fidalgos da Corte e os seus súditos e vassalos.

O Palácio de São Cristóvão em 1816

Algumas, duravam mais de um dia e eram  entremeadas por torneios, declamação de poesias, e até peças de teatro. Aliás, a voracidade à mesa do nosso rei fazia jus à fama do apetite avassalador dos Braganças …

O almoço constava de três frangos, com molhos e mais uns 10 pratos em cada repasto. E completava com quatro ou cinco laranjas da Bahia. E encerrava os trabalhos, lavando as mãos em uma bacia, pois não usava talheres. E mais (passo a citar trechos da História do Brasil do Pedro Calmon, meu brilhante e saudoso reitor na FND, em 1964) “… as Iguarias teriam que ser preparadas à tempo, para que às 11h já estivessem todas as travessas e panelas na copa (local das refeições no dia à dia: eram espaços enormes). E só, então, dariam recado à Sua Majestade para que viesse assentar-se.

E todos os presentes tirarão os chapéus e se desviarão do caminho… Ao lado da mesa, a postos, já estarão o Trinchante, os Oficiais da Mesa, e os moços que ficarão de joelhos perto da cadeira Del-Rey. Assim que Sua Majestade se acomodar na cadeira puxada pelo Reposteiro-mor, virá o Capelão benzer os alimentos…

D. João e a Corte

Detalhes pertinentes: os portugueses que aqui vieram,  valorizavam o sal(*) e o açúcar, coisa que nem os índios, nem os africanos utilizavam. E a mulher portuguesa “dava apreço” aos ovos de galinha, que também índios e africanos ignoravam; e ensinou às cunhãs (**) o manejo de condimentos que foram trazidos das “culónias” na Índia, do arquipélago malaio e d`África. E esses condimentos básicos eram a canela, o leite e a manteiga de vaca, a goma da mandioca e os “cheirinhos da Terrinha”: hortelã, erva-doce, cravo-da- Índia, folhas de louro e o nosso querido alecrim! Não esquecendo do alho e do azeite.

Aliás, já não sei se foi Gilberto Freire ou o Laurentino Gomes, que fez essa colocação sobre a “vendetta sociale”: enquanto a patroa portuguesa só saia de casa para a missa, ou com o marido e em raríssimas ocasiões, a escrava saia várias vezes por dia para as compras e serviços e – claro – ao voltar atiçava a curiosidade de suas “donas”, contando fofocas da rua ou até provocando o pânico-vingança: “acho que há uma casa pegando fogo aqui bem perto…”

E segundo ainda o nosso folclorista insuperável, Câmara Cascudo, o tempo à mesa desses monarcas foi ficando cada vez mais demorado à medida que os dentes deles iam se estragando…

Pois é.

(*) O Sal e o Sol são o outro nome de Portugal, autor desconhecido.

(**) Cunhã, mulher jovem, quase sempre de descendência indígena.

Por Reinaldo Paes Barreto