Um dia, embora fosse bastante cuidadoso com os adjetivos (sobretudo os “negativos”), mestre Antonio Houaiss me disse: “o brasileiro é (bastante) leviano no uso dos vocábulos”. E continuou: “mistura possível com provável, talvez com quem sabe, jamais com nunca mais, e por aí afora”. E eu concordo inteiramente, porque sou xiita com o compromisso de precisão que a palavra deve ter com o seu significado essencial. Aquele papo do Lacan: significado/significante.
Por isso não, gostei do título acima, slogan de uma simpática campanha de “comida de rua” que a prefeitura patrocinou aqui no Rio, já há tempos. E que foi um merecido sucesso, tanto que hoje se repete volta e meia nas praças de Ipanema, etc.
E não gostei, porque GASTRONOMIA é a cerimônia que envolve e distingue uma refeição de um almoço ou jantar “normais”, e me refiro quase que exclusivamente em encontros em restaurantes. O supõe um diferencial do ambiente, desde a porta de entrada à presença de um bar e/ou adega, de um maître, da limpeza e aparência dos garçons (pode ser “smoking” ou camiseta, mas adequado) e, até, do espaçamento entre as mesas e da composição das próprias: o arranjo de flores (ou não), a disposição das taças, copos e talheres; a iluminação e, no entorno, a temperatura do cômodo, os não-ruídos e até, em última análise, o tom e tema das conversas.
Ora, a rua é o contrário. É o espaço do convívio indiscriminado. De uma algazarra suportável aos ouvidos, e da divertida informalidade. É o espaço aonde se come em quiosques, barraquinhas, carrocinhas, sentado em bancos de jardim ou na grama/areia, e até em pé, saboreando um acarajé em cima de um guardanapo de papel… E poder ser muito saborosa também, muito querida, mas não “se chama” GASTRONOMIOA.
Curiosidade: talvez os alimentos precursores da comida de rua tenham sido os pães árabes com recheio; as empadas e empanadas dos americanos do sul; os pedaços de pizza na velha Nápoles; os “tapas” espanhóis e tacos mexicanos; o angu dos cariocas nos tempos da Colônia e os cachorros-quentes criados na Alemanha e mais que se internacionalizaram a partir dos EUA, no início do século 20. Detalhe, mas os “outros sanduíches” devem sua fama ao aristocrata inglês Jonh Mantagu, no século 18. Ele era conde da cidade der Sandwuich, no condado de Kent e sendo um jogador de poker inveterado, bolou a solução de se alimentar sem sair do carteado: dois pedações de pão com uma fatia de carne assada ou rosbife dentro. Também gostava de colocar uma fatia de presunto e outra de queijo.
Ou seja, a gastronomia é mais do que a alimentação do organismo. É um inventário patrimonial que reflete e revela “um tempo” e “uma classe social”. E abrange o tipo de utensílios usados, as tradições populares, a geografia do doce e do salgado, o encontro da arte com a comida.
Por Reinaldo Paes Barreto