Em outubro de 2023, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) incluiu na Portaria 6.757/2022 uma nova “Seção VIII — Dos aspectos Ambientais, Sociais e de Governança nas Transações”. Os recém-criados arts. 18-A e 18-B passaram a determinar que, “sempre que possível”, as transações tributárias observem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e, nos acordos individuais, que se indiquem quais ODS estão envolvidos. A própria portaria remete expressamente à Resolução A/RES 70/1, de 2015, da Assembleia-Geral da ONU.
A medida reabre um debate central: pode uma portaria exigir contrapartidas ESG na negociação de débitos inscritos em dívida ativa? A resposta, sob a ótica constitucional e legal, é não — por três razões principais.
1) Extrapolação de competência normativa e material da PGFN
A PGFN tem mandato legal para inscrever, cobrar e transacionar créditos da União e do FGTS com base na Lei 13.988/2020 e normas de sua organização (vide DL 147/1967). Não há, contudo, outorga para fiscalizar ou condicionar a transação tributária ao atendimento de políticas públicas ESG — matéria alheia ao núcleo de cobrança e recuperação do crédito público. Exigir que o contribuinte “persiga ODS”, ou rotular acordos com ODS converte a transação em instrumento de política setorial sem base legal específica.
2) A Lei 13.988/2020 não previu requisito ESG
A lei que inaugurou a transação tributária delimita objetivos, requisitos e concessões possíveis (descontos, prazos, garantias, critérios de capacidade de pagamento). Em nenhum ponto ela instituiu contrapartidas ESG, nem autorizou a PGFN a demandá-las como condição geral ou à rotulagem “por ODS” dos acordos. Pelo princípio da legalidade administrativa (CF, art. 37), a Administração somente pode exigir o que a lei autoriza. Com efeito, Portaria não cria deveres materiais novos ao contribuinte fora do escopo legal; menos ainda condiciona benefícios tributários a pautas programáticas. Ao inovar nesse conteúdo, a Portaria 1.241/2023 colide com o princípio da reserva legal.
3) O fundamento invocado não é tratado internacional internalizado
Os artigos 18-A e 18-B ancoram-se nos ODS (A/RES 70/1) — uma resolução da Assembleia-Geral da ONU, de natureza programática (soft law), e não um tratado com força normativa interna. Ainda que se tratasse de tratado, sua eficácia doméstica dependeria de aprovação de seu texto pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I) e de posterior promulgação (CF, art. 84, VIII). Sem esse ciclo de internalização do tratado, não há como se impor obrigações dessa natureza aos particulares.
A Portaria 1.241/2023 alterou o teor dos arts. 18-A/18-B e reforçou, em sua redação, a vinculação aos ODS. O texto original da Portaria 6.757/2022 — que regulamenta a transação tributária — não continha nenhum comando ESG, tratando de recuperabilidade, descontos, prazos e garantias. A inserção da pauta ESG decorreu exclusivamente da alteração da referida norma em 2023.
Impactos práticos
A exigência ESG, tal como redigida, cria insegurança:
- Cláusulas questionáveis: condicionar ou valorar propostas por “efeitos positivos” em ODS carece de critério legal e de competência fiscalizatória setorial.
- Risco de discricionariedade excessiva: abre margem para decisões não ancoradas em capacidade de pagamento — eixo legal da transação.
A nosso ver, os contribuintes que se virem prejudicados por negativas, restrições ao programa ou exigências baseadas nos arts. 18-A e 18-B podem judicializar a questão.
Nosso departamento tributário está à disposição para auxiliá-los no assunto através do e-mail: contato@vieiracoelh.com.br

