Quem não se sentou numa cadeira de dentista nos anos 60, 70, com anestesia com gosto de cravo e noz-moscada, broca vinda da Santa Inquisição e outros instrumentos com pontas cortantes ou ganchos torturantes, não sabe o que foi sofrer “neste vale de lágrimas”!

Certa vez arranjei um dentista cujo consultório ficava no 20° andar de um arranha-céu na Praia do Flamengo, 60, e, depois de uma “sessão” digna dos porões do DOPS, ainda anestesiado, peguei o elevador para o térreo. Em um andar intermediário, entrou uma moça que na hora não reconheci, mas que me olhou, primeiro de viés e, depois, já “olhos nos olhos”, e me disse: “Oi, Reinaldo, eu sou a Regina! Não está me reconhecendo?”.
Meu Deus, a primeira namorada!

E eu, ali, com a boca torta, enrolando a língua, o máximo que consegui balbuciar foi “Claro, Regina, sim, claro que estou…”, e nisso uma baba “bovina” molhou o meu peito em cima da camisa. Ela olhou em silêncio e nisso o elevador chegou ao térreo. Já no hall de saída, ela se virou com ar de piedade e se despediu baixinho: “Melhoras, meu bem…”
Pensei em correr pela calçada e me jogar embaixo de um carro! Inútil: o estrago de imagem estava feito. Me veio à cabeça quando a conheci, lá por 1959, num grito de Carnaval na rua Miguel Lemos. Namoramos uns muitos meses; depois brigamos e nunca mais nos tínhamos visto, até porque ela foi morar um tempão em Brasília. Eu, no exterior. E esse encontro “injusto”, agora, uns trinta anos depois, nessas circunstâncias, parecia filme italiano dos tempos da comédia espaguete, com Nino Manfredi, Alberto Sordi, por aí.

A gente passa cada vexame…
Autor: Reinaldo Paes Barreto

