Às 8h05 do dia 24 de agosto de 1954, o Getúlio saiu do quarto de pijama e desceu até seu gabinete, no 2º andar do Palácio do Catete. Logo depois, e como fazia todas as manhãs, o barbeiro Barbosa entrou no quarto do para fazer a barba do presidente, mas não o encontrou. Às 8:26 o Getúlio voltou para o quarto, no 3º andar, com a Carta-Testamento no bolso. Sentou-se na cama, apontou o revólver contra o coração e puxou o gatilho. O Lutero, seu filho, foi o primeiro a entrar, seguido de Dona Darcy, do médico Flávio Miguez de Mello e da Alzirinha, a filha querida e companheira de todas as horas. Getúlio estava com meio corpo para fora da cama, o revólver Colt calibre 32 perto da mão direita, agonizante. Morreu alguns minutos depois.

Pijama de Vargas com a mancha de sangue

19 dias antes, em 5 de agosto, o jornalista Carlos Lacerda estava chegando na portaria do prédio aonde residia perto da meia-noite, na Rua Tonelero nº 180, em Copacabana, acompanhado do Major da Aeronáutica Rubens Vaz. Ambos saltam do carro e ficam conversando na calçada por alguns minutos, quando o pistoleiro Alcino João do Nascimento sai de sua tocaia e atira de um 45 contra o Lacerda, mas acerta primeiro o peito do Major Vaz que cai morto, ao lado do carro. E acerta o pé do Lacerda que mesmo com o pé engessado sai já de madrugada para a Rádio Mayrink Veiga e pronuncia um incendiário discurso: “… esta noite uma mulher vai se deitar e a seu lado não está mais o seu marido. Por quê? Porque ele foi assassinado por sicários pagos pelo Palácio do Catete…”

Lacerda com o pé enfaixado a caminho da rádio 

Getúlio governou o Brasil por 24 anos, com intervalo de 4 anos. Foi um patriota a seu modo. E foi amado por multidões de várias gerações. Ateu, maçom (?) e positivista, fazia política de esquerda, com a mão direita, segundo o escritor Stefan Zweig. Embora gaúcho do pampa fronteiro com a Argentina, tinha o espírito tropical. Foi o primeiro presidente a vestir terno branco, dar gargalhada em público, ir ao teatro-revista assistir peças que o ironizavam. E tinha o instinto (não havia “coachs” naquele tempo!) da comunicação e do marketing pessoal. Usou o rádio como nenhum outro, antes (‘trabalhaaaadores do Brasillll). Fez só uma ou duas viagens ao exterior, mas foi ao Brasil Central – o primeiro presidente a visitar os povos originários(donde, meio que para puxar saco, logo depois virou moda os prédios de Copacabana se chamarem Itahy, Piragibe, Marajoara). Andava a pé pelas ruas do Rio e de Petrópolis; veraneava e fazia “estações de água”.



JK no velório do Getúlio (a estrela do Juscelino começava a brilhar)

E do poder, que exerceu com paixão,apreciavacertos ritos: carro com batedores, a volta triunfante no Estádio de São Januário nos Primeiro de Maio, ser chamado de excelência (chamava a todos de doutor e senhor), nunca falou com ninguém ao telefone,… Mas nunca se interessou pelos luxos: vinhos caros,presentes nababescos, gastos pessoais. Tanto que os móveis do seu quarto no Catete eram de uma “pobreza” monástica. E a maioria de suas noites (noves fora Virgínia Lane), na primeira fase, eram de leitura, papo com um ou outro velho amigo em torno de um chimarrão, às vezes partidas de paciência e, no fim, muita insônia e um vago espiritismo.

“Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

Por Reinaldo Paes Barreto