A busca por incentivos à inovação tem sido uma constante em diversas economias ao redor do mundo para estimular o desenvolvimento de novas tecnologias e impulsionar a competitividade das empresas.
No Brasil, a Lei 11.196/05, conhecida como Lei do Bem, é um dos instrumentos legais que visa fomentar a inovação por meio de incentivos fiscais, especialmente com a possibilidade de exclusão, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, de até 60% dos dispêndios com projetos de inovação realizados no ano, além de depreciação acelerada integral de máquinas e equipamentos, amortização acelerada de intangíveis e redução de 50% de IPI na aquisição de bens destinados às atividades de inovação.
Referidos incentivos, vigentes desde 2006, tiveram baixa adesão no início, havendo um tímido crescimento até 2017. A partir de 2018 e até 2022 (último resultado divulgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia), o crescimento das empresas participantes da Lei do Bem passou a ser de 19% por ano¹.
Com a crescente adesão, a Receita Federal tem intensificado a fiscalização em relação aos requisitos legais que devem ser observados para uso dos incentivos.
Recentemente, no relatório anual de fiscalização divulgado pela RFB referente aos resultados de 2023 e planejamento de 2024², foi mencionado que os incentivos de inovação previstos na Lei do Bem atingiram um montante de R$ 46 bilhões nos últimos três anos. De acordo com o relatório, esse valor levou à priorização do “risco Lei do Bem” no planejamento fiscal de 2023.
Segundo a RFB, tem-se intensificado as atividades de cruzamento de dados para identificar possíveis irregularidades na utilização dos incentivos. Além disso, estão sendo realizadas reuniões com o MCTI para alinhar estratégias e aprimorar os mecanismos de controle.
Conforme mencionado no relatório, para o ano de 2024, as atividades de fiscalização mediante cruzamento de dados e os contatos com o MCTI continuarão sendo priorizados pela RFB, e está sendo “definida e implementada” uma estratégia de “promoção de autorregularização” desses incentivos.
Nesse cenário, as empresas que participam e pretendem participar dos incentivos à inovação tecnológica da Lei do Bem precisam se atentar aos requisitos a serem observados para uso dos incentivos, especialmente os que vêm sendo objeto de questionamentos nos últimos anos.
Um dos requisitos discutidos no Carf³ e no Judiciário é a exigência de controle dos dispêndios dos projetos em contas contábeis específicas. De acordo com o art. 22, I, da Lei 11.196/05, os dispêndios nos projetos de inovação “serão controlados contabilmente em contas específicas”, e a controvérsia debatida no Carf é acerca da demonstração de contabilização desses dispêndios de outras formas, como por meio de outros registros contábeis e extracontábeis.
Apesar de ser um dos requisitos que ensejaram algumas autuações, a matéria ainda foi pouco debatida no contencioso administrativo, e há registro de um único caso analisado pelo poder judiciário⁴. À luz da realidade sobre a forma, e conforme decidido pelo Carf⁵ e TRF2, deve prevalecer a intenção do legislador ao disciplinar o art. 22, I, da Lei 11.196/05, que é a de possibilidade de identificação dos valores dentro da contabilidade da empresa, seja mediante registros contábeis ou extracontábeis.
Outro requisito para uso dos incentivos fiscais instituídos pela Lei 11.196/05 é a necessidade de contratação de pesquisadores e equipe de apoio técnico para atuação nos projetos de inovação tecnológica.
Segundo o art. 2º do Decreto 5.798/06, os pesquisadores são profissionais que possuem formação técnica ou acadêmica suficiente para desenvolver as atividades voltadas ao projeto de inovação tecnológica da empresa, sendo necessário que estes profissionais possuam, ao menos, ensino técnico de nível médio, abrangendo também pesquisadores graduados, pós-graduados e tecnólogos.
As equipes de apoio técnico foram conceituadas como “aqueles que sejam indispensáveis à implantação e à manutenção das instalações ou dos equipamentos destinados, exclusivamente, à execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação tecnológica, bem como à capacitação dos recursos humanos a eles dedicados” (art. 2, “e”, do Decreto 5.798/06).
Assim, é essencial a atenção aos conceitos previstos na legislação. Além disso, é exigido que a empresa realize o controle das atividades e horas desempenhadas por colaborador, e anote no contrato de trabalho dos pesquisadores o desempenho em atividades de inovação tecnológica (incisos I e II do art. 3º e incisos I e II do §1º do art. 5º da IN 1.187/11).
Esses dois últimos requisitos não estão previstos na Lei 11.196/05 ou no Decreto 5.798/06, mas são exigidos pela RFB por meio de instrução normativa. Não há discussão no poder judiciário sobre a questão, todavia, sabe-se que a RFB, por meio de instrução normativa, não poderia ampliar ou extrapolar requisitos que sequer estão previstos na legislação.
Outro ponto a ser destacado é a exigência de instalações e equipamentos destinados exclusivamente aos projetos, com fundamento no item “e” do inciso II do art. 2º do Decreto 5.798/06. Alguns contribuintes têm questionado a competência da RFB para fiscalizar esses requisitos, pois o ente não possui a expertise para afirmar se determinadas instalações ou equipamentos classificam-se como próprios para o desenvolvimento do projeto tecnológico realizado particularmente por cada empresa, mas o tema ainda não foi analisado pelo poder judiciário.
Todos esses requisitos para uso dos incentivos foram pouco debatidos, mas já motivaram algumas autuações, e sob a ótica das intenções do legislador, as exigências formais não devem se sobrepor a ponto de inviabilizar o uso dos incentivos, com base no princípio da verdade material. Por fim, com a intensificação da fiscalização por parte da RFB, as empresas que atuarem de forma preventiva poderão evitar futuras discussões.