O jornal francês Le Monde, desta semana, traz uma matéria sobre “a relação dos presidentes da República (daquele país) e os prazeres da mesa”. E para não ir muito longe na visão pelo retrovisor, pegou da 5º República para cá, isto é, do General De Gaulle e o seu gosto pela “Bouillabaisse”, a famosa sopa de peixe, vegetais e ervas aromáticas, de Marseille, até os   escalopes “cordon-bleu” do atual presidente Macron.  Mas o registro mais “fora da curva” ocorreu  no governo Giscard d’Estaing  (1974-1981), por conta da  transição entre “a comida de molhos” e a “nouvelle cuisine”, duas vertentes da célebre culinária francesa que foram postas na mesa das discussões.

E como o protagonista dessa “mudança de paradigma” foi Paul Bocuse, o festejado dono e cozinheiro em Collognes-au-Mont-d’Or, perto de Lyon, Giscard d`Estaing prestigiou a mudança e espetou no peito desse gigante (com trocadilho), no salão nobre do Palácio do Eliseu, a Legião de Honra, comenda criada por Napoleão. E a partir dali os chefs foram abandonando progressivamente o calor de suas cozinhas e passaram a circular pelo salão dos restaurantes, pelas câmaras de televisão e vídeo, pelos links e blogs e pelas páginas das mais bem ilustradas revistas de gastronomia, impressas e/ou digitais. Tanto que alguns são, hoje, popstars com programas próprios de televião e streaming — e milionários.

Nessa tarde, para comemorar, Bocuse preparou a sopa de trufas que entrou para a história da gastronomia, e boi batizada com as inicias do então presidente: “Soupe VGE”. Hoje, custa cerca de 330 euros, aproximadamente 1.860 reais.

Mas, repito, essa tradição de Alta Gastronomia X Poder, na França, vem de Luis XIV (1643-1715), passa por Napoleão no fim desse século 18, início do19, e tem um momento histórico – e por um dessas ironias da própria história – justamente para celebrar o colapso e exílio de Napoleão. O Congresso de Viena, em 1814.

O príncipe Tailleyrand, ex-chanceler do imperador e hábil negociador diplomático, mas que pulou fora da frota de Bonaparte quando pressentiu o naufrágio, idealizou  esse encontro de cabeças coroadas da Europa na capital austríaca, para redesenhar o mapa de poder no continente, e nas respectivas colônias. E como bom estadista francês, levou consigo o  cozinheiro, o genial Carême, que entre outras novidades ofereceu ao Kaiser, ao Tzar e aos demais reis e príncipes ali persentes os melhores queijos da França e, dentre eles, o Brie, ali consagrado como “le Roi des fromages, le fromage des Rois”. Estava lançada o que muito recentemente foi chamada de Gastrodiplomatie.

Para finalizar, não posso deixar de evocar uma querida lembrança. Certa noite, jantando em Paris com o meu amigo e mestre Guilherme Figueiredo no restaurante “L’Ami Louis” (fundado em 1924), e depois dos escargots de entrada e do “canard confit sur rösti”, fomos para os queijos e o campeão foi o Brie envelhecido mas que, por isso mesmo, exalava um aroma “particulier” que o nosso Guilherme, grande frasista, logo comparou … “ao pé do bom Deus”.

Amém!

Por Reinaldo Paes Barreto